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Reforma 500 anos: A trajetória brasileira

Teólogo descreve como a Reforma de Lutero impactou a sociedade brasileira

01/11/2017

| Atualizado em

01/11/2017

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Reforma 500 anos: A trajetória brasileira

O panorama religioso brasileiro mudou radicalmente. A religião dominante perdeu espaço, minorias como os sem-religião, espíritas e evangélicos têm crescido no Brasil. Os pentecostais e neopentecostais cresceram de modo surpreendente. Os herdeiros da Reforma Protestante, os evangélicos, eram cerca de 13% da população em 1991, chegaram a 22% em 2010 e atingem 32% hoje (Datafolha). São mais de 60 milhões de pessoas.

A Reforma, que mudou a história da Europa, foi um retorno à Bíblia. Sola Scriptura foi o grito de Lutero, acompanhado por Calvino, Zuínglio e muitos outros. As mudanças socioculturais, econômicas e teológicas decorrentes do Protestantismo reescreveram a trajetória de diversos povos e lhes deu nova identidade. Os contornos teológicos do fim da Idade Média exigiam uma releitura da cristandade europeia a partir de suas origens. Os reformadores, luteranos, anglicanos, calvinistas e anabatistas, esboçaram uma caminhada em direção ao cristianismo primitivo, à busca da exegese bíblica, à compreensão da graça divina e da salvação, à liberdade de consciência

O primeiro culto protestante das Américas aconteceu no Rio de Janeiro (1557). Com a Constituição de 1824 e a entrada de imigrantes alemães e suíços, luteranos e reformados chegaram ao país. Mas, só tiveram influência decisiva na formação religiosa dos imigrantes e seus descendentes. Paralelamente, os ingleses que aqui viviam tiveram liberdade de praticarem o anglicanismo. O protestantismo missionário chegou mais tarde: congregacionais (1855), presbiterianos (1859), metodistas (1867) e batistas (1871).

Tradicionalmente agentes da modernidade e secularização, nossos protestantes não se alinharam com a cultura brasileira. Com herança puritana, espiritualidade petista e ênfase no indivíduo, a nova fé via a tradição católica como atraso e pobreza. A fé protestante valorizava o trabalho, a repressão das paixões, a intelectualidade produtiva e a tranquilidade econômica da posteridade. As características desse protestantismo missionário podem ser assim resumidas:
Doutrinária. Ênfase na autoridade da Bíblia em oposição à tradição, crença na salvação individual pela graça e pela fé e não em obras e sacramentos, intermediação única de Cristo entre Deus e o homem em oposição à intercessão de Maria, dos santos etc.
Culto. Abolição de ícones no culto, centralidade da pregação, valorização da atuação dos leigos, proselitismo (conversão), negação do mundo e repressão das paixões (santificação), maior participação dos membros no culto.

A enorme extensão do país e a falta de sacerdotes romanos marcaram a dificuldade católica de cuidar de seus fiéis, membros de uma fé diversificada. Como notou Gilberto Freyre, os portugueses tinham uma divisão de personalidade, acostumados com diferenças raciais e religiosas que marcaram sua história. No caso do Brasil caboclo e mulato, a flexibilidade e convivência com a contradição se tornaram uma realidade. As ideias liberais e positivistas, aliadas à influência maçônica, presentes na elite permitiram maior liberdade religiosa no país. Assim, os protestantes começaram a evangelização para converter os católicos à nova fé. Distribuindo Bíblias, realizando cultos vivos, usando leigos nas pregações, nas escolas dominicais e numa estrutura de igreja marcada pela ampla participação dos fiéis, os protestantes iniciaram com sucesso sua empreitada no país.

A tropicalização desse protestantismo é uma experiência única. Trata-se de uma igreja muito recente, em busca de sua identidade e caminho. Em parte, é uma expressão de progresso e desenvolvimento social, em parte é retrógrada e obscurantista. Seu perfil mais popular se afasta de suas raízes e mostra-se cheio de misticismo, marcados por experiências existenciais e espirituais frágeis e pré-modernas. O que será do Protestantismo Brasileiro, o movimento evangélico? Se não é fácil entender nosso Brasil, mais difícil será compreender nossa igreja evangélica. Qualquer previsão sobre o futuro é temerária. Que Deus nos ajude e nos abençoe.

(*) Luiz Sayão é pastor, teólogo e hebraísta da Igreja Batista Nações Unidas (São Paulo-SP)